domingo, 5 de dezembro de 2010

Do mau ao péssimo em 3 horas...

Esta tarde fiquei petrificado, não devido ao gelo, mas à cena degradante, à organização medíocre e sobretudo ao banho de bola musical que Espanha deu a Portugal. Indo por partes:

Desloquei-me ao TMG para assistir ao Festival de Música Coral da Guarda. Nesta tarde gelada, agreste, pouco convidativa a abandonar a lareira e enfrentar os rigores da invernia. Ainda assim, como amante da música e músico, lá fui. Os problemas do TMG enquanto espaço físico são vários. Numa tarde gelada, mesmo deixando o automóvel no parque de estacionamento, há que enfrentar os rigores da quadra, pois não existe trajecto abrigado possível. Há também a acústica péssima do grande auditório (para a generalidade das produções musicais).

A tudo isso um amante resiste para fruir a sua amada. O que não suporta é vê-la vandalizada às mãos de um grupo, que a trata de forma displicente, sem profissionalismo, sem brio. Se se exige que o público pague, quer seja muito ou pouco, há que ser profissional e executar eventos em condições.

O espectáculo começou atrasado. Péssimo.

Foi distribuído a cada espectador um folheto com umas notas breves acerca de cada Grupo coral e as obras que interpretarão. Simples, de bom traço, directo ao ponto. Óptimo - pensei eu - finalmente livraram-se daqueles programas que narram toda e qualquer historieta, façanha, marco, marquinho, vilarejo ou aparição fugaz que a colectividade logrou e o ainda maior curriculum vitae que os respectivos maestros detêm, seminários com este, aulas com aquele, 5 minutos de paleio com aqueloutro, fizeram isto e aquilo…

Que desilusão!!!! Na abertura das festividades eis que surge uma figura, com ar de quem tinha sido requisitada no calor do momento para palrar os escritos que antigamente constavam do programa… Péssimo, vai de atrasar ainda mais o espectáculo… e música nada… o senhor bem tentava aliviar o ambiente, consciente do ridículo da situação criada por algum iluminado pleno de ego, rindo-se inclusivamente de si mesmo pela má locução que protagonizava. Da próxima, se quiserem massacrar o público ao início, para que este ache que a música até nem foi assim tão má, por favor arranjem alguém que leia bem, apenas.

E lá veio a música, finalmente… O Coral da Senhora da Hora de Matosinhos, dessa nobre localidade com 37000 habitantes, 22000 eleitores, do NorteShopping e de tantas maravilhas… E a desgraça adensou-se… Os coralistas eram esforçados. Via-se que queriam transmitir sentimento, que cantavam com alma, que punham sangue na música. Infelizmente a maestrina que lhes calhou em sorte é uma nódoa da direcção coral. Mediocremente péssima. Gesto literalmente “à pazada”, sem ponto de gravidade, acentuando cada sílaba da palavra qual lição de solfejo, fluidez abaixo de zero.  Nota 6 em 20.

Retorna o senhor do paleio programático… novo bocejo…

E novamente a música com o Coral Poliphonico de Coimbra, a lusa Atenas, terra de artistas e músicos… limitaram-se a cumprir. Maestro de gesto anódino, desafinações e falta de emotividade. Uma lástima. Um coro com potencial para outros voos e desperdiçado num som balbuciante, esfalfado. Numa obra como a Rosa amarela, que pede swing, que dá vontade de dançar, de batucar, aqui só dava vontade de patear… 9,5 em 20.

E retorna o senhor do paleio programático… novo bocejo…

Eis que surge o Regina Angelorum, da humilde vila de Grijota (Palência), com 1500 habitantes somente. Sorridentes, confiantes, apoiados numa maestrina que transpirava música, encetaram os melhores desempenhos da tarde. Sim, tiveram falhas, sim a maestrina não era especialmente dotada, todavia presentearam-nos com aquilo que todos esperávamos “ouver” – Música. Sorri do seu terrível sotaque, sorri dos seus enganos, sorri pela sua vontade e boa música. 14 em 20. Começava aqui a desenhar-se a vingança do 4-0…

E retorna o senhor do paleio programático… novo bocejo…

No Orfeão do Centro Cultural da Guarda – terra que viu João José Baldi e tantos outros, de gente capaz e voluntariosa… - culminou a desgraça portuguesa! Uma autêntica tragédia digna de Eurípedes… Se a acústica do auditório já não ajudava, colocar os coralistas em semicírculo fechado retira capacidade de projecção sonora. Nisto dos Coros 95% da culpa é sempre do maestro. É triste mas é verdade. E que desastre ali ocorreu. Os coralistas de expressão germano-dantesca, carrancuda, granítica, quais gárgulas da Sé-Catedral. Temo pela saúde mental dos seus filhos, pois se os acarinharam do mesmo modo que cantaram as diversas canções de embalar, os pobres hoje serão pessoas muito atormentadas e amargas.

Tudo foi mau enquanto se cantaram obras em homofonia – direcção bruta, às 3 pancadas, sem nuance estilística, afinação mediana, expressividade gelada -, pois quando se interpretou a única música com alguma dificuldade de fraseio, o caldo entornou em catadupa… A desafinação e desconcerto foram atrozes… Os coralistas têm boa vontade, via-se que se esforçam, mas com aquela direcção ou falta dela não há muito a fazer. E assim se seguiu tristemente para mais uma vez assassinar FLGraça e finalmente entoar uma Balada da neve que me deixou mais gelado por dentro do que houvera estado alguma vez por fora… 2 em 20.

Seguiu-se uma troca de galhardetes para colocar na vitrine, palavras de circunstância, caras-de-frete-simulando-seriedade-encobrindo-vontades-de-rir-em-gargalhada-desmedida-e-cavar-dali-para-fora…

A vingança realmente serve-se fria, e nada se compara a ser humilhado em casa por um grupo magnífico de espanhóis de uma terriola minúscula sem Norteshoppings, Universidades centenárias ou 811 anos de História…